O povo e os principes de Sir Smith.
Hoje em dia, é mais grave infringir um artigo da "Declaração Universal dos Direitos do Capital" levada a cabo pelo FMI, Banco Mundial, OCDE, OMC, G7, Comissão Trilateral, Fórum de Davos e outras instituições benemeritas que infringir um da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas desde 1948.
A própria substituição do GATT pela OMC já representou como que uma institucionalização deste liberalismo mais extremo e constitui um passo muito importante ao serviço dos agentes da nossa Aldeia Global. Primeiro porque esta alargou os seus âmbitos à agricultura, aos têxteis, aos serviços e à área da propriedade intelectual. Segundo porque os países mais pobres deixam de beneficiar das vantagens de um processo de negociação multilateral permanente para ficarem sujeitos às deliberações de uma instituição reguladora do comércio global na qual os "principes" ganharão um peso decisivo, ao exemplo do que se passa com o FMI e o Banco Mundial.
A OMC coloca acima de tudo a liberdade das trocas comerciais e considera "o comercio livre" uma panacéia capaz de resolver todos os problemas da nossa Aldeia Global porém, segundo dados do Banco Mundial e das Nações Unidas, o comércio mundial cresce mais de que 10% ao ano e a situação da maioria dos que já eram miseráveis não cessa de piorar. E o gap que separa "povo" de "principes" não pára de crescer. A diferença de nível de rendimento que era de 3 para 1 em 1820, passou para 11 para 1 em 1913, 50 para 1 em 1950, atingiu 72 para 1 em 1992 e continua a subir.
Um em cada cinco habitantes da Aldeia Global vive com menos de US$ 1/dia porém, o valor dos activos dos 200 "principes" mais ricos ultrapassa o rendimento de 41% da população global. Uma tributação em 1% da riqueza destes "principes" seria suficiente para garantir o acesso ao ensino básico a todas as crianças da Aldeia. Enquanto que menos de 20% dos seus habitantes acumulam mais de 85% do seu PNB, a cada sete segundos, um pequeno aldeão morre antes de completar os 10 aninhos, ou de fome ou de doenças (ou das duas coisas) cuja cura está bem ali ao alcance dos "principes". Mas, afinal, para quê quebrar a patente de medicamentos como o AZT por exemplo e salvar a vida de 10 milhões de "plebeus" por ano se as suas mortes garantem lucros de bilhões de US$ a um único "principe" da indústria farmacêutica e ainda mais sabendo que mais de 25 dos 35 milhões de seropositivos que a Aldeia tem hoje vivem na África ao sul do Sahara? A conta é macabra, mas os factos estão ali bem na nossa frente e como dizia Groucho Marx: "o que prefere? Acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?".
O Pentágono e a Casa Branca não pensaram duas vezes antes de exigir a quebra da patente do antídoto do ANTRAZ simplesmente porque 100% das seis (isso mesmo, seis; um, dois, três, quatro, cinco, seis!) vitímas do veneno eram da "realeza".
A situação pode ainda vir a piorar com a generalização do regime de plena liberdade das trocas aos produtos agrícolas, como pretende a OMC em um regime adoptado na Convenção de Cotonou e com vigência já prevista para 2008. Neste quadro todas as exportações terão de ser feitas aos preços internacionais. Preços estes controlados pelos "principes" do agro-business e que na maioria dos casos são menores que os custos de produção praticados pelas pequenas e médias explorações agrícolas que asseguram sustento à maioria esmagadora do povo. Consequência disto? Com o risco de ser redundante (mas nunca é de mais martelar no assunto), um agravamento ainda maior da dependência alimentar dos países mais pobres com a diminuição da agricultura de subsistência em detrimento da chamada "agricultura de sobremesa" destina aos "principes".
O acordo da NAFTA (North American Free Trade Agreement) assinado entre os EUA, o Canadá e o Mexico já não arruinou a agricultura mexicana? E o que está a se passar com a agricultura portuguesa depois do país ter obtido o tão cobiçado visto para ingressar na União Europeia? Não precisa ser nenhum "durão" para responder a esta, pois como costumam dizer os cariocas, para quem sabe ler, um pingo é uma letra.
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Abdulah Bubacar Djalo, MSc
PhD Researcher in Public Administration
Universiteit Leiden - Campus Den Haag
Leiden / The Netherlands
Montenegro Fiúza
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